terça-feira, 16 de outubro de 2012

Leituras Afro-Brasileiras (Transcrição)

O corpo do afro-brasileiro, a saúde e a violência na maca e em coma: uma abordagem necessária (Dagoberto José Fonseca)
Intróito necessário: um pouco de história antiga e recente Ao longo do século XVI ao XIX a população africana e afrobrasileira esteve alijada do processo de constituição de cidadania, não tendo as condições de um atendimento à saúde, aos males de doenças de modo adequado, na medida em que era considerado um quase não ser, segundo a visão hegemônica colonialista e escravista da época.  A população africana e afro-brasileira era violentada no dia a dia, sem o descanso devido para as jornadas de trabalho de 15 a 18 horas diárias no eito e nos demais afazeres, mas recebia uma ração alimentar insuficiente do ponto de vista nutricional, porém recheada de calorias (rapadura, carne de sol, farinha de mandioca, mingau de milho, feijão preto, torresmos e aguardente). (MATTOSO, 1988) Conjugado a diversos outros fatores vinculados à extrema  violência do sistema escravista mantido pela ordem social vigente seja pela Coroa Portuguesa, seja pelo Império Brasileiro não propiciaram uma saúde física e mental a esta população, de modo a que o africano e o afro-brasileiro no Brasil na condição de escravizado tiveram elevadas taxas de morbidade e de mortalidade, segundo se supõem a partir da literatura especializada.Neste período de quatro séculos a população africana e aquela nascida aqui - a afro-brasileira – tiveram que contar com a sua própria reciprocidade, solidariedade e com os mecanismos de resistência, entre os quais as irmandades negras (FONSECA, 2000; QUINTÃO, 2002; REIS, 1991; SANTOS, 1996) que tinham como objetivo assegurar o cuidado à saúde física e mental do seu membro, mas também de um enterro digno, segundo as suas tradições e etnias, portanto elas visavam garantir o mínimo de bem-estar social ao corpo de seus irmãos. A abolição da escravatura e o advento da República, no final do século XIX, não modificaram substancialmente a condição da população negra, no que tange ao atendimento médico, farmacêutico, hospitalar e ambulatorial, sobretudo no momento em que se caracterizou pelo abandono do afro-brasileiro e de uma população diminuta de africanos presentes no Brasil, até em função do fim de tráfico atlântico de africanos escravizados, seja em função da atitude dos senhores de engenho, dos coronéis do charque e dos barões do café e pelos republicanos e imigrantistas nacionais, realçada pelo Estado Republicano recém empossado. As escolas de medicina (SCHWARCZ, 2002) no Brasil não deram a devida atenção e não propiciaram os cuidados necessários para o atendimento deste segmento populacional, muito embora o fizesse um objeto de pesquisa interessante e servindo-se assim de dados e informações psíquicas e físicas para atestar a sua incapacidade intelectual, moral, psíquica e de convívio social dentro dos padrões, segundo Raimundo Nina Rodrigues (1957), Arthur Ramos (1988), mas também segundo o olhar sanitário e higiênico de Osvaldo Cruz (apud SEVCENKO, 1993). Em todo o século XX, a população afro-brasileira foi relegada à condição de uma cidadania precária, em todo o tecido social este aspecto também esteve presente no sistema de atendimento à saúde. Mesmo com a luta do movimento negro brasileiro ao denunciar o desprezo, o abandono e a ausência de um melhoratendimento nos equipamentos públicos de saúde não fizeramcom que houvesse uma mudança significativa neste quadro, tantoque a morbimortalidade e os índices de violência (morte) entreos afro-brasileiros é maior do que os demais contingentespopulacionais, bem como estão situados nos piores índices sócio-econômicos do país, vivendo em ambientes ecológicos destituídosde qualidade de vida e de infraestrutura dignas. A luta de diversos militantes e a sensibilidade de algunsgovernantes, técnicos, médicos e outros estudiosos fizeram comque algumas medidas fossem tomadas, no entanto elas aindaestão aquém das necessidades, seja no que tange a quantidade e a quantidade de políticas públicas focadas ou universalizadasque atendam com eficácia a população afro-brasileira no país.Neste contexto que o Plano de Ação da Conferência Regionaldas Américas contra o Racismo2 possibilitou a inserção da temática étnico-racial nas ações de promoção da equidade em saúde. No parágrafo 111, os governos do continente requereram que a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) “promova ações para o reconhecimento da raça/grupo étnico/gênero como variável significante em matéria de saúde e que desenvolva projetos específicos para a prevenção, diagnóstico e tratamento de pessoas de descendência africana”. Baseado neste compromisso do continenteamericano, as “Nações Unidas esperam contribuir para que a dimensão racial/étnica seja parte integral de uma agenda política nacional, orientada para a não-discriminação e o respeito à diversidade da sociedade brasileira”. (POLÍTICA... 2001) Este conjunto de informações acima descritos e consubstanciados pormeio de análise mesmo que breve é salientado de maneira inequívoca no quadro 1 a seguir: